'Vitamina' e 'receita': suspeitos de adulterar leite usavam códigos para despistar investigação, diz MP
13/12/2024
De acordo com promotor de Justiça, investigados tinham 'fórmula exata' para que ajustes irregulares não fossem detectados em análises. Caderno com anotações foi apreendido durante operação que prendeu cinco pessoas. Fiscais abrem lotes de leite durante investigação da Operação Leite Conpensado
Vítor Rosa/RBS TV
Os suspeitos de adulterar produtos lácteos estragados para disfarçar a má qualidade usavam códigos em anotações para despistar a investigação. De acordo com o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), termos como 'vitamina' e 'receita' eram adotados para ser referir à adição de soda cáustica e água oxigenada no leite. Cinco pessoas foram presas em operação realizada na quarta-feira (12).
"Além de aprimorarem as fórmulas para adulteração, também aprimoraram as práticas criminosas. Eles utilizam alguns códigos – 'vitamina' e 'receita' – para tentar despistar qualquer tentativa de investigação", explica o promotor de Justiça Alcindo Luz Bastos da Silva Filho.
📲 Acesse o canal do g1 RS no WhatsApp
A soda cáustica era usada para ajustar os parâmetros de PH do leite e diminuir a acidez. A água oxigenada servia para matar microorganismos e recuperar produtos em deterioração. As duas substâncias são perigosas à saúde, conforme o MP.
Quem é o 'Alquimista', químico preso na operação
Veja imagens de depósito clandestino mantido por empresa
De acordo com o também promotor de Justiça Mauro Rockenbach, os investigados tinham a 'fórmula exata' para que os ajustes irregulares não fossem detectados em análises. Um químico industrial teria sido contratado pela empresa Dielat para assessorar na produção.
Um caderno com anotações foi apreendido. Nas páginas, é possível ver referências à fórmula química da soda cáustica (NaOH) e citação ao peróxido de hidrogênio – conhecido comercialmente como água oxigenada.
Caderno com anotações que seriam de adulteração da fórmula do leite
Divulgação/Ministério Público
A sede da Dielat está fechada. Um aviso na porta informa que as atividades no local estão interrompidas até que a investigação seja concluída.
Na quarta (11), o Centro Estadual de Vigilância em Saúde expediu um ofício para que mercados suspendam a venda do leite produzido pela Dielat até que se tenha o resultado da análise do laboratório.
Veja interior de depósito clandestino mantido por suspeita de adulterar leite
Depósitos clandestinos
O Ministério Público descobriu dois depósitos clandestinos mantidos pela Dielat. Ambos ficam em Taquara, na Região Metropolitana de Porto Alegre.
A reportagem da RBS TV esteve em um dos locais utilizados para armazenamento irregular. Na fachada, há uma placa de "aluga-se". Mais próximo ao pavilhão, uma outra placa identifica uma mecânica de carros. No interior do ambiente, os promotores encontraram toneladas de produtos em condições impróprias, como validade vencida, bolor, sujeira e baratas.
Em nota, a empresa manifestou "surpresa diante da divulgação de infundadas suspeitas sobre a regularidade de sua atuação industrial e dos produtos por ela comercializados". (confira, mais abaixo, a íntegra da da manifestação)
Segundo o MP, quatro funcionárias da Dielat, que concordaram em falar, prestarão depoimento nos próximos dias. A denúncia à Justiça deve ser oferecida em até uma semana.
Ministério Público localiza dois depósitos clandestinos da empresa DIELAT
Distribuição em escolas de SP e na Venezuela
Conforme os promotores, os laticínios são distribuídos até na Venezuela. A empresa também já venceu licitações pelo Brasil e vinha participando de outros certames para fornecimento de laticínios. Recentemente, a Dielat venceu a concorrência para distribuir produtos derivados do leite para escolas de uma cidade de São Paulo, conforme Mauro Rockenbach e Alcindo Bastos.
Entre as marcas alvos da operação no Brasil estão: Mega Lac, Mega Milk, Tentação e Cootall, comercializadas no varejo e acessíveis ao consumidor em mercados. Na Venezuela, os produtos levam o nome de Tigo e Tigolac.
O Mega Milk, leite UHT e em pó, tinha valor mais acessível comparado a outras marcas concorrentes. Para licitações, foi criada outra empresa, de nome Agrovita, que distribuía o mesmo leite da marca Mega Milk, pertencente a Dielat.
Lotes de produtos lácteos vencidos foram encontrados em depósito clandestino
Vítor Rosa/RBS TV
'Alquimista'
Entre os presos, está o químico industrial Sérgio Alberto Seewald, conhecido como "alquimista" ou "mago do leite". O investigado é considerado figura central em fraudes identificadas em fases anteriores da operação.
Seewald já havia sido alvo em 2014, na quinta fase da investigação, por práticas semelhantes em outra indústria de laticínios em Imigrante, no Vale do Taquari. Ele foi absolvido de uma condenação de 2005 por um caso similar, recebeu uma medida cautelar da Justiça de Teutônia e está há dois anos aguardando para utilizar tornozeleira eletrônica.
A defesa do quimíco sustenta que "ele não possui relação formal ou informal com a empresa Dielat", alvo das investigações. Segundo o advogado Nicholas Horn, "trata-se de uma criação de fatos por parte do Ministério Público, que não enseja a verdade". O representante do suspeito acrescenta que "todas as medidas necessárias para a sua soltura estão sendo tomadas".
Caderno com fórmulas apreendido pelo MP durante operação Leite Compensado no RS
Vítor Rosa/RBS TV
Nota da Dielat
"A DIELAT Indústria e Comércio de Laticínios Ltda., vem a público manifestar surpresa diante da divulgação de infundadas suspeitas sobre a regularidade de sua atuação industrial e dos produtos por ela comercializados. A DIELAT reafirma seus compromissos com o oferecimento de produtos com qualidade e inovação, com responsabilidade socioambiental, reconhecida nacionalmente por oferecer produtos de qualidade.
Em sua trajetória iniciada há mais de 8 anos, a empresa mantém permanente dedicação à ética, à moral, aos bons costumes, às leis, a todos os seus clientes e consumidores, traduzida no oferecimento de produtos livres de quaisquer dúvidas em relação à sua integridade. A empresa submete as suas instalações, insumos e produtos a constante e rigorosa fiscalização das autoridades sanitárias brasileiras e internacionais, já que exporta parte de sua produção para o exterior, e permanece à disposição de todos os órgãos públicos, de maneira ininterrupta, para demonstrar a excelência de seus produtos e o cuidado empregado na sua elaboração.
A todos os clientes, fornecedores, colaboradores e funcionários, a DIELAT manifesta tranquilidade frente aos questionamentos, com a certeza de que o esclarecimento da lisura de sua atuação será inevitavelmente obtido ao cabo de todas as apurações que se fizerem necessárias. Neste momento, os responsáveis pela empresa decidem interromper temporariamente as suas atividades, que serão imediatamente retomadas, com a mesma qualidade e compromisso, assim que superada a presente situação momentânea e finalizadas as necessárias investigações, com a certeza de que será finalmente demonstrada a absoluta regularidade de seus procedimentos e a excelente dos produtos disponibilizados ao mercado consumidor."
VÍDEOS: Tudo sobre o RS